quinta-feira, 30 de março de 2017

Por que a prática de ásanas é mais popular entre estrangeiro do que entre indianos?



Você que já se rendeu aos benefícios do Yoga com certeza já deve ter se perguntando porquê os indianos e indianas não fazem disso a sua prática diária.

Ao contrário do que pensamos a prática de ásanas nunca foi algo popular na Índia, a não ser para estrangeiros, o que é um fenômeno um tanto recente. O ascetismo, por sua vez, é e sempre foi presente de forma generalizada, não só no que hoje denominamos (após os esforços coloniais em definir fronteiras geográficas para seus objetivos de conquistas territoriais) como Índia, mas também na China e Japão, por exemplo. Porém a prática de ásanas sistematizadas enquanto tal é sem dúvida uma novidade. Lembremos também que há diversas formas de se praticar yoga.

 Primeiramente, os hathayogis da era medieval a quem a prática de ásanas é primeiramente associada, eram figuras um tanto controversas e marginais, sendo banidos e oprimidos em efeito da presença colonial britânica, tanto pelos britânicos, quanto pelas elites indianas brâmanes preocupadas de certa forma em "higienizar" seus conhecimentos, excluindo tudo que poderia ter um caráter místico, mágico e por conseqüência supersticioso, dotando-os de racionalidade.

Swami Vivekananda, Sri. Yogendra, Aurobindo, Yogananda e Krishnamacharya, por exemplo, reconhecidos na história recente do yoga, eram figuras privilegiadas, grandes estudiosos dos sistemas filosóficos e sânscrito. O yogasála do Palácio de Mysore foi criado sob patronagem do marajá Wodiyar e o acesso ao local era um tanto restrito. O qual por sua vezes também financiou os estudos e viagens de Krishnamacharya com o intuito de uma "popularização" do Yoga, entre jovens de classe média e classe média alta dos centros urbanos, o que terminou com a independência da Índia, em 1947, que deu fim a figura política dos marajás e por sua vez à patronagem.

A aceitação e a entrada da prática de hathayoga dentro dos ensinamentos de yoga desses professores não é tão óbvia o quanto parece, muitos deles rejeitavam tais práticas. O ásana ganhou espaço por haver a busca de um exercício autenticamente indiano em tempos de nacionalismo, principalmente a partir de 1900. Os projetos nacionalistas envolvendo yoga eram anteriores à esse período, mas a prática de hathayoga não estava presente, como podemos notar nos manifestos de Swami Vivekananda. Muito dos que promoviam à prática de ásanas tinham muitas vezes atitude de militância que inclusive se opunham ao pacifismo gandhiano. Além disso, a prática de ásana tinha lugar principalmente nos ginásios de luta, ao lado de treinamentos militares e exercícios de ginástica e controle muscular em geral. Contexto no qual foi criada a reconhecida saudação ao sol.

Outra curiosidade relevante é que muitas vezes à prática de exercícios físicos associada à prática de ásanas era reprimida através de violência por oficiais britânicos.

Krishnamacharya ensinou no palácio de mysore durante 20 anos, dos 70 que ensinou durante toda sua vida e foi nesse momento em que Iyengar e Pattabhi Jois foram seus alunos e aprenderam um estilo de prática de ásanas acompanhado de um forte treinamento físico ensinado para os "meninos da família real".

Depois da independência da Índia, com a popularização global da prática de yoga, o auge da Nova Era, de movimentos de cura pela natureza a prática de ásana foi sendo ressignificada, principalmente por estrangeiros/as, em maioria brancos, europeus, norte-americanos, australianos, que por sua vez tinha dinheiro para pagar pelos ensinamentos desses professores, valor mínimo para esses com moeda estrangeira.

Acredito que foi a partir desse momento em que a literatura tântrica e às técnicas de hathayoga da era medieval começaram a ganhar maior relevância, como a atenção para os chakras e técnicas de purificação, não advindas de uma tradição oral e prática, mas sim de textos, muitos deles traduzidos para o inglês e já interpretados a partir de uma relação com a medicina ocidental. 

Acho que isso explica um tanto a não popularização na Índia. Acredito que a partir desse momento, e também após a independência houveram muitos projetos de popularização, como panfletos e revistas, a maioria deles já em inglês e distribuídos por sua vez nos centros urbanos, outro aspecto que pode explicar a não popularidade, já que a Índia é e foi ainda mais composta por inúmeras vilas falantes de uma variedade de dialetos.

Atualmente, há grandes projetos de popularização da prática de ásanas na Índia, um dos exemplos é a revista Yoga Manjari vinculada a Bharatiya Yog Sansthan, a qual promove práticas gratuitas em lugares públicos ao redor do mundo. Além de políticas governamentais envolvendo educação física e saúde.

 É importante um olhar crítico para a história do yoga, em que tendemos a reconhecer enquanto um conhecimento atemporal, intacto, não manejado por mãos humanas, que de desenvolveu em um contexto político, histórico e social específico.

O texto é feito a partir de livre reflexões inspirada partir de leituras de autores como Mark Singleton, Joseph Alter, David Gordon White e James Mallison e também por minha experiência enquanto praticante e professora de Ashtanga Yoga e Hatha Yoga respectivamente. É também parte da pesquisa que venho desenvolvendo para minha dissertação de mestrado sobre as dinâmicas da produção do conhecimento na formação do Yoga enquanto um cânone.

Pesquisa sempre em andamento: sugestões, opiniões e correções são muito bem vindas!

Namastê!